Dras. Vanessa Jacob e Natália Lima comentam sobre a PEC dos Recursos

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PEC DOS RECURSOS: “REVOLUÇÃO PACÍFICA” OU RETROCESSO?

Vanessa Elisa Jacob Ferreira

Natália Lima Nogueira

Desde meados da década de 1990, importantes reformas legislativas foram implementadas no Direito brasileiro, precipuamente com vista a equacionar o problema da sobrecarga do Poder Judiciário e, via de consequência, os efeitos deletérios e perniciosos da morosidade.

Nesse quadro de referências, constituem exemplos das inovações introduzidas no ordenamento jurídico pátrio: a previsão de súmula vinculante no âmbito do Supremo Tribunal Federal (art. 103-A, CRFB/1988), de repercussão geral da matéria constitucional em sede de recurso extraordinário (art. 543-A e 543-b, CPC), e de julgamento de recurso especial por amostragem (art. 543-C, CPC).

Apesar de essas mudanças terem contribuído para a filtragem dos recursos que afluem aos Tribunais Superiores, ainda assim subsiste a problemática do abarrotamento dessas Cortes, que, não raras vezes, atuam como terceira e/ou quarta instâncias. Nesse cenário, o Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, apresentou oficialmente, em 21 de março último, uma proposta de emenda constitucional, que ficou conhecida como “PEC dos Recursos” ou “PEC Peluso”, a qual sugere, em síntese, que as decisões dos tribunais de segunda instância (tribunais estaduais e federais) transitarão em julgado e propiciarão a execução definitiva da sentença.

Segundo a proposta formalizada pelo Ministro Cezar Peluso, continuará sendo possível a interposição de recurso especial e/ou extraordinário, contudo sem qualquer possibilidade de concessão de efeito suspensivo, de maneira que o mecanismo dos recursos de índole excepcional será símile ao da ação rescisória.

Em suas palavras: a “PEC dos Recursos” representa “uma ‘revolução pacífica’ para melhorar a eficiência da Justiça brasileira contra ‘um sistema jurisdicional perverso e ineficiente’” (www.stf.jus.br. Acesso em 08/06/2011, às 15:28h).

Na esfera criminal, o principal motivo ensejador da PEC pelo Ministro Cezar Peluso foi a problemática concernente à disposição constitucional do artigo 5º, inciso LVII, que dispõe que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Nesse contexto, com o escopo de resolver o problema da impunidade, e, ademais, da morosidade, propõe o Ministro a antecipação do trânsito em julgado, o que, com efeito, abarca não só a seara criminal, como também cível.

Sob o influxo de tal inspiração, o Senador Ricardo Ferraço apresentou versão semelhante à do Ministro Cezar Peluso nas justificativas e no resultado, porém o fez de modo diverso, porquanto acabou por instituir expressamente a ação rescisória especial e a ação rescisória extraordinária, bem como as hipóteses de seus cabimentos. Sua versão recebeu o número PEC 15/2011 e integrará o III Pacto Republicano, cujas propostas serão encaminhadas ao Congresso Nacional pelos chefes dos Três Poderes na reabertura dos trabalhos legislativos, neste mês de agosto.

Importante destacar, nessa ordem de ideias, que três correntes já se delinearam sobre a PEC: (i) a favorável; (ii) a contrária; e (iii) a que sugere uma solução conciliadora entre o texto da PEC e o PLS 166/2010 (projeto do novo Código de Processo Civil).

Tendo em vista que o presente artigo não tem o condão de esgotar o estudo da temática, mas tão-somente de trazer uma breve nota sobre o assunto, não será nosso objetivo deslindar a problemática sob o enfoque do Direito penal, nem tampouco as críticas que têm sido tecidas pelos estudiosos da matéria. Assim como também não nos aprofundaremos nos problemas que a “PEC Peluso” ensejam, mas tão-somente os relativos à PEC nº. 15/2011, por ser esta passível de vir à existência, pelo que nos leva a refletir e indagar: Será mesmo necessária mais uma reforma desta envergadura? Não seria mais proveitoso tentarmos dar aplicabilidade às regras já existentes no nosso sistema?

Diante disso, imperioso trazer à baila o texto da PEC nº. 15/2011 que visa alterar os artigos 102 e 105 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e transformar o recurso extraordinário e o especial em ação rescisória:

“Art. 1º O art. 102 da Constituição passa a vigorar com as seguintes alterações:

Art. 102 (…)

I – (…)

s) a ação rescisória extraordinária;

(…)

§ 3º A ação rescisória extraordinária será ajuizada contra decisões que, em única ou última instância, tenham transitado em julgado, sempre que:

I – contrariarem dispositivo desta Constituição;

II – declararem a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

III – julgarem válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição;

IV – julgarem válida lei local contestada em face de lei federal.

§ 4º Na ação rescisória extraordinária, o autor deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais nela discutidas, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine sua admissibilidade, somente podendo recusá-la, por ausência de repercussão geral, pelo voto de dois terços de seus membros. (NR)

Art. 2º O art. 105 da Constituição passa a vigorar com as seguintes alterações, renumerando-se o parágrafo único como § 1º:

Art. 105 (…)

I – (…)

j) a ação rescisória especial;

(…)

§ 1º (…)

§ 2º A ação rescisória especial será ajuizada contra decisões dos Tribunais Regionais Federais ou dos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios que, em única ou última instância, tenham transitado em julgado, sempre que:

I – contrariarem tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

II – julgarem válido ato de governo local contestado em face de lei federal;

III – derem a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

§ 3º A lei estabelecerá os casos de inadmissibilidade da ação rescisória especial. (NR)

Art. 3º O Congresso Nacional instalará, imediatamente após a promulgação desta Emenda Constitucional, comissão especial mista, destinada a elaborar, no prazo de sessenta dias, projeto de lei necessário à regulamentação da matéria nela tratada.

Art. 4º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação, assegurada a aplicação das regras de processamento e julgamento dos recursos extraordinário e especial àqueles que houverem sido interpostos antes da entrada em vigor da regulamentação a que se refere o art. 3º desta Emenda.

Art. 5º Ficam revogados o inciso III do ‘caput’ do art. 102 e o inciso III do ‘caput’ do art. 105 da Constituição”.

Em primeiro lugar, tem-se que, a nosso sentir, inexiste qualquer óbice constitucional e legal à antecipação do trânsito em julgado, por ser esta uma questão de política legislativa.

No entanto, vemos como retrocesso a proposta, na medida em que na sistemática processual vigente o recurso extraordinário e o especial, via de regra, não são dotados de efeito suspensivo. Logo, franqueia-se ao credor o cumprimento provisório da sentença, sendo que é possível a dispensa de caução na pendência de agravo em recurso especial e em recurso extraordinário, bem como em outras hipóteses, como na de débito alimentar. Além disso, no projeto do novo CPC, suprimiu-se a eficácia suspensiva dos recursos, de maneira que mesmo na pendência do julgamento da apelação, “verbi gratia”, já será possível, ainda com mais força, o manejo de cumprimento provisório de sentença.

Ademais, na conjuntura hodierna, é possível a concessão de tutela de urgência em qualquer etapa do processo.

O que, então, nos leva a perquirir para que servirá a “PEC dos Recursos”, já que a pretexto de se prestigiar a execução definitiva dos julgados de segunda instância, colocar-se-á em risco o direito dos jurisdicionados que porventura conseguirem reverter a condenação nos tribunais superiores de ver inviabilizado o seu ressarcimento.

Feitas essas considerações, trazemos algumas questões, que exsurgem da análise da redação projetada para os artigos 102 e 105 da Constituição de 1988, para reflexão do leitor, as quais se encontram ainda carentes de respostas:

– Haverá possibilidade de concessão de efeito suspensivo à ação rescisória, a exemplo do que prevê o artigo 489 do CPC?

– Haverá necessidade de depósito prévio de 5% sobre o valor da causa?

– Haverá redução efetiva do número de processos tramitando nos tribunais superiores, se a proposta prevê a mera conversão de recursos em ação autônoma?

– Qual será o procedimento de julgamento da ação rescisória?

– A ação rescisória prevista no artigo 485 e seguintes do CPC será extinta?

– A teor das Súmulas 249 e 515 do STF, o Pretório Excelso apenas possui competência para julgar ações rescisórias contra seus próprios julgados. Como, então, a ação rescisória extraordinária funcionará na prática?

– E o mecanismo dos recursos repetitivos? Com o trânsito em julgado das decisões em segunda instância, o julgamento de recurso por amostragem no STJ deixa de ter razão de ser, uma vez que o novo mecanismo de impugnação será uma ação autônoma?

Como se vê, inúmeras são as questões que o tema desperta. Acreditamos, porém, que a experiência está a demonstrar que a solução para o problema da sobrecarga do Poder Judiciário e consequentemente da morosidade e da impunidade – ainda que impossível em sua amplitude – passará, peremptoriamente, pela mudança no sistema de gestão do próprio Poder Judiciário, bem como de cultura e mentalidade dos aplicadores do Direito. O que, indubitavelmente, afigura-se muito mais profundo e que está, destarte, a demandar maior esforço, energia e tempo, do que meras reformas no âmbito constitucional e legal.

Fonte: HTJ advogados

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