Dra. Vanessa Jacob comenta sobre a incidência da taxa SELIC e a jurisprudência do STJ

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A problemática envolvendo a incidência da taxa SELIC nas ações indenizatórias civis e a jurisprudência do STJ

Vanessa Elisa Jacob Ferreira

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça voltou a debater a problemática concernente à aplicação da taxa SELIC nas ações de indenização civis.

A controvérsia remonta à entrada em vigor do Código Civil de 2002, na medida em que o artigo 406 modificou o regime legal de juros moratórios até então disciplinado pelo artigo 1.062 do CC/1916, que dispunha que a taxa de juros legais era de 6% ao ano.

O artigo 406 do CC/2002, por sua vez, estatui que “quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”.

Ponto de elevada problematicidade, portanto, é definir qual a taxa em vigor para o cálculo dos juros moratórios previstos no artigo 406 do CC/2002.

Isso porque, nada obstante o STJ tenha por missão restabelecer o império da legislação federal mediante a uniformização da jurisprudência infraconstitucional, há, no âmbito do próprio STJ, duas correntes antagônicas sobre qual a taxa aplicável para os juros moratórios, o que tem obstaculizado a pacificação do entendimento sobre a matéria.

A primeira corrente considera que a taxa referenciada na disposição normativa do artigo 406 do CC/2002 é a de 1% ao mês, a teor do que dispõe o artigo 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, sem prejuízo da incidência de correção monetária, com vistas a que haja a recomposição do real valor da moeda, para que o credor não sofra o efeito deletério da corrosão monetária decorrente do transcurso do tempo. Esse entendimento encontra-se capitaneado em precedentes da Primeira Turma, em processos de relatoria da saudosa Ministra Denise Arruda (REsp 830.189) e do Ministro Francisco Falcão (REsp 814.157).

A segunda corrente, por sua vez, defende que a taxa SELIC é a prevista no artigo 406 do CC/2002. A este respeito, colhem-se os seguintes precedentes de relatoria dos então Ministros da Primeira Turma, Teori Zavascki (REsp 710.385) e Luiz Fux (REsp 883.114), bem como em precedentes da Quarta Turma, a exemplo do posicionamento adotado quando dos julgamentos dos Recursos Especiais 865.363 e 938.564.

Essa segunda corrente é a que tem prevalecido no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, já que a Corte Especial ao julgar os Embargos de Divergência em Recurso Especial 727.842, de relatoria do Ministro Teori Zavascki, hoje no STF, firmou-se no seguinte sentido: “atualmente, a taxa dos juros moratórios a que se refere o artigo 406 do CC é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic), por ser ela a que incide como juros moratórios dos tributos federais”.

Para além desse entendimento, restou sufragado no julgamento do Recurso Especial 1.102.552, também de relatoria do Ministro Teori Zavascki, e afeto à sistemática dos recursos repetitivos sob o rito do artigo 543-C do CPC, que a taxa SELIC não pode ser cumulada com qualquer outro índice, porquanto engloba juros moratórios e correção monetária.

Dimensionada a questão desse modo, constata-se que a adoção da SELIC nas ações que versam sobre créditos tributários ou dívidas fazendárias, por exemplo, não acarreta maiores problemas de ordem prática, desde que o momento de sua incidência seja único, já que a SELIC não é apenas uma taxa de juros, mas tem a dupla finalidade de manter o valor aquisitivo da moeda e de remunerar a mora.

O ponto nevrálgico de sua aplicação, todavia, reside precipuamente na seara das ações de indenização civis, na medida em que segundo os enunciados sumulares do STJ, em se tratando de responsabilidade civil extracontratual, por exemplo, devem os juros fluir a partir do evento danoso (súmula 54/STJ) e a correção monetária, em caso de dano moral, desde o arbitramento (súmula 362/STJ), acarretando, destarte, seríssimo problema, já que a SELIC é uma taxa nominal e, por assim ser, flutuante, eis que abrange tanto a taxa de juros real quanto a expectativa de inflação. Assim, sua incidência só não gera descompasso quando há concomitância na fluência dos juros de mora e da correção monetária, o que, como cediço, dificilmente se configura nas demandas de responsabilidade civil contratual e extracontratual.

Feitas essas considerações, tem-se que o grande desafio a ser enfrentado pelo STJ é quanto à compatibilização dos precedentes sobre a taxa de juros de mora aplicável às dívidas civis, a teor do artigo 406 do CC/2002, com os enunciados sumulares 54 e 362/STJ.

A oportunidade para dirimir de vez a controvérsia pode estar no julgamento do Recurso Especial 1.081.149, que colocou o tormentoso tema da SELIC novamente em pauta, e cuja discussão está afetada à Corte Especial, sendo Relator o Ministro Luís Felipe Salomão.

No caso em debate, a recorrente teve seus documentos falsificados e, por cautela, registrou boletim de ocorrência e incluiu a informação “documento clonado”, ao lado de seu nome, nos cadastros da Câmara de Dirigentes Lojistas – CDL, a fim de dar publicidade a terceiros quanto à fraude perpetrada. Apesar disso, a sociedade recorrida determinou a inscrição de seu nome em cadastros restritivos de crédito, nada obstante a dívida tenha sido contraída por terceiro que se valeu de documentos falsos com utilização indevida do nome da autora.

O juízo da 14ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre julgou procedente a pretensão inaugural, tendo reconhecido a inexistência da dívida, determinado o cancelamento da inscrição indevida e condenado a ré ao pagamento de indenização por danos morais, que fixou em R$ 3.800,00, com atualização do valor pelo IGP-M e juros de 1% ao mês.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul proveu parcialmente o recurso de apelação da autora para majorar a indenização para R$ 7.000,00, tendo determinado a incidência de juros de mora e correção monetária a partir da data do arbitramento.

Em sede de recurso especial, sustenta a autora que se trata de relação extracontratual e, destarte, os juros de mora e a correção monetária devem incidir a partir do evento danoso, na esteira dos enunciados sumulares 43 e 54 do STJ, e não do arbitramento da indenização.

O Ministro Relator, Luís Felipe Salomão, proferiu voto conhecendo do recurso especial e dando-lhe parcial provimento. O julgamento foi interrompido, em 07/08/2013, por um pedido de vista antecipada do Ministro João Otávio de Noronha e ainda não há previsão de quando será retomado.

Em seu voto, o Ministro Salomão consignou o entendimento de que a indenização por danos morais, para fins de incidência dos juros moratórios, deve sempre ser considerada responsabilidade civil extracontratual, o que é reforçado, no caso concreto, pela ausência de contrato entre a autora e a sociedade ré, e, por assim ser, os juros de mora devem fluir desde a data do evento danoso (súmula 54/STJ), que, no caso em tela, vem a ser a data da inscrição indevida do nome da autora no cadastro de inadimplentes. Relativamente à correção monetária, o Ministro Salomão assinalou que deve incidir desde a data da fixação da indenização pelo acórdão da apelação, nos termos da súmula 362/STJ, ao contrário do que postula a autora/recorrente, que a entende devida desde o apontamento do seu nome nos cadastros restritivos de crédito.

Até esse ponto, não há nenhuma novidade. Trata-se, tão-somente, da aplicação dos verbetes sumulares 54 e 362 do STJ ao caso concreto.

O Ministro Salomão, em seu voto, tece considerações sobre o índice aplicável ao caso em questão. Isso porque, nada obstante reconheça que a taxa em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional seja a SELIC, defende que a SELIC não deve ser indiscriminadamente aplicada nas ações de indenização civis e propõe uma interpretação do artigo 406 do CC/2002, com base no Enunciado 20, aprovado na Primeira Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal – CJF, em setembro de 2002, que preconiza que “a taxa de juros moratórios a que se refere o artigo 406 é a do artigo 161, parágrafo 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% ao mês”. Logo, o que propõe o Ministro é que passe o STJ a adotar a utilização de índice oficial de correção monetária ou tabela do próprio tribunal local (desde que oficial), aliado à taxa de juros de 1% ao mês, a teor do artigo 161, §1º, do CTN.

Nas palavras do Relator, Ministro Luís Felipe Salomão, “independentemente de questionamento acerca do acerto ou desacerto da adoção da Selic como taxa de juros a que se refere o artigo 406 do Código Civil, o fato é que sua incidência se torna impraticável em situação como a dos autos, em que os juros moratórios fluem a partir do evento danoso (Súmula 54) e a correção monetária em momento posterior (Súmula 362)” (fonte: Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ – Especial “Selic ou não Selic, eis a questão”. Disponível em: http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/).

Ponderou, ainda, o Ministro Luís Felipe Salomão, que:

“‘A Selic não é um espelho do mercado; é taxa criada e reconhecida com forte componente político – e não exclusivamente técnico –, que interfere na inflação para o futuro, ao invés de refleti-la, com vistas na economia de um período anterior e na projeção para os próximos meses, em consonância também com as metas governamentais’ (…).

‘Constata-se, por exemplo, o pagamento de juros a 12,31% ao ano em 2005, contra o irrisório 1,30% ao ano em 2012, períodos em que a inflação foi praticamente idêntica (5,69% e 5,84% a.a.), respectivamente’ (…).

‘Aliás, como as dívidas judiciais são atualizadas mensalmente, e não anualmente, há registros de meses em que a Selic ficou abaixo de índices oficiais que medem exclusivamente a inflação, o que significa juros negativos e que, em boa verdade, nesse período, foi o credor que pagou juros ao devedor, o que não se sustenta’” (fonte: Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ – Especial “Selic ou não Selic, eis a questão”. Disponível em: http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/).

Segundo o Ministro Salomão, a aplicação da SELIC em casos como o do Recurso Especial 1.081.149, em que não há coincidência temporal quanto ao início da fluência dos juros de mora e da correção monetária, acaba por gerar inconvenientes, já que pode conduzir à inafastável deterioração do capital do credor ao longo do tempo, na medida em que o componente de juro real embutido na SELIC acaba sendo consumido pela ausência de capitalização composta da correção monetária.

Diante do exposto, depreende-se que a opinião dos juristas acerca dessa complexa temática encontra-se dividida, sendo, portanto, oportuno o seu debate. Nossa expectativa é a de que a Corte Especial do STJ possa aproveitar a oportunidade do julgamento do Recurso Especial 1.081.149 para sedimentar a matéria.

Fonte: HTJ advogados

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