Dra. Natália Lima comenta sobre Natureza constitucional da matéria prevista no art. 6º da LICCO

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Natureza constitucional da matéria prevista no art. 6º da LICCO: consolidação da jurisprudência do STJ no sentido da impossibilidade de se alegar contrariedade a esse dispositivo em sede de recurso especial.

Acórdãos recentes prolatados no âmbito do Superior Tribunal de Justiça têm consolidado orientação jurisprudencial deste órgão julgador acerca da impossibilidade de veiculação, em sede de recurso especial, de ofensa ao art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. O dispositivo em questão dispõe que “a Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”. Por se tratar de disposição contida em lei federal, a violação a este artigo é comumente abordada em recurso especial, com fulcro no art. 105, III, alínea ‘a’ da CR. Todavia, conforme assentado pelo STJ em diversos precedentes, sendo o mais recente deles o AgRg no AREsp 6637/MS, de relatoria do Ministro Teori Albino Zavascki, o art. 6º da LICCO não passa de mera reprodução de norma constitucional e, por essa razão, suposta contrariedade e tal dispositivo não pode ser enfrentada em recurso especial.

De fato, a previsão de que a lei deve observar o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada possui sede constitucional e encontra-se expressamente prevista no art. 5º, XXXVI da CR, que dispõe, ‘in verbis’: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Em vista, pois, da origem constitucional da proteção a esses institutos, o STJ tem afirmado a competência do Supremo Tribunal Federal para conhecer e analisar a controvérsia, entendimento que se encontra pacificado em todas as Turmas, consoante se observa dos seguintes precedentes: AgRg no Ag 1338221/RS (Primeira Turma), AgRg no Ag 1305118 (Segunda Turma), AgRg no AREsp 6895/DF (Terceira Turma), EDcl no Ag 1161292 (Quarta Turma), AgRg no Ag 1190841/SP (Quinta Turma), EDcl no AgRg no Ag 954173/SP (Sexta Turma).

A orientação, na prática, dificulta em muito a devolução da matéria aos Tribunais Superiores já que, como sabido, para a admissibilidade do recurso extraordinário exige-se não apenas a demonstração da ofensa a dispositivo constitucional, mas também que essa ofensa seja dotada de repercussão geral, verificada quando a questão versada no apelo tenha relevância do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapasse os interesses subjetivos da causa. Assim, diante da dificuldade das partes em demonstrar a transcendência necessária a autorizar o conhecimento do recurso extraordinário, corre-se o risco de que relevantes questões deixem de ser apreciadas pelos tribunais superiores em mais um exemplo de negativa de prestação jurisdicional justificada pela aplicação técnica da lei.

Ademais, para além do problema afeto à necessidade de cumprimento do art. 543-A do CPC, há outra questão ainda mais grave consistente na resistência do STF em enfrentar alegações de violação a dispositivos constitucionais sob o fundamento de que se trata de ofensas meramente reflexas. Especificamente em relação ao disposto no art. 5º, XXXVI da CR, as duas Turmas do Supremo possuem precedentes recentes no sentido de que “as alegações de violação a incisos do artigo 5º da Constituição Federal – legalidade, direito adquirido, ato jurídico perfeito, limites da coisa julgada, devido processo legal, contraditório e ampla defesa –, podem configurar, quando muito, situações de ofensa meramente reflexa ao texto da Constituição, circunstância essa que impede a utilização do recurso extraordinário” (ARE 642062 AgR /RJ). Confiram-se, neste sentido, os seguintes julgados:

“DIREITO ADMINISTRATIVO E DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. NEGATIVA DE COBERTURA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ANÁLISE DE FATOS E PROVAS E DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE: SÚMULA STF 279. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AOS ARTS. 5º, XXXV, E 93, IX, DA CF/88. 1. A Corte de origem, para concluir pela existência da relação de consumo entre as partes, além de aplicar a legislação referente aos planos de saúde e o Código de Defesa do Consumidor, fundamentou sua decisão no conjunto fático-probatório dos autos, o que atrai, na espécie, o óbice da Súmula STF 279. 2. A jurisprudência desta Corte está sedimentada no sentido de que as alegações de violação a incisos do artigo 5º da Constituição Federal – legalidade, direito adquirido, ato jurídico perfeito, limites da coisa julgada, devido processo legal, contraditório e ampla defesa –, podem configurar, quando muito, situações de ofensa meramente reflexa ao texto da Constituição, circunstância essa que impede a utilização do recurso extraordinário. 3. O fato de a decisão ser contrária aos interesses da parte não configura negativa de prestação jurisdicional ou ausência de fundamentação. Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento”. (STF, Segunda Turma, ARE 642062 AgR/RJ, Relatora Ministra Ellen Gracie, ac. 02/08/2011, DJ 19/08/2011).

“CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. REVISÃO CONTRATUAL E REPETIÇÃO DE INDÉBITOS. ATO JURÍDICO PERFEITO E ACABADO. INOCORRÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO OU SOCIAL. PESSOA CAPAZ. BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA. CASSAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N. 282/STF. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO ARTIGO 5º, LV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 279/STF. 1. O requisito do prequestionamento é indispensável, por isso que inviável a apreciação, em sede de recurso extraordinário, de matéria sobre a qual não se pronunciou o Tribunal de origem, incidindo o óbice da Súmula n. 282 do Supremo Tribunal Federal. 2. A violação indireta ou reflexa das regras constitucionais não enseja recurso extraordinário. Precedentes: AI n. 738.145 – AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma, DJ 25.02.11; AI n. 482.317-AgR, Rel. Min. ELLEN GRACIE, 2ª Turma DJ 15.03.11; AI n. 646.103-AgR, Rel. Ministra CÁRMEM LÚCIA, 1ª Turma, DJ 18.03.11. 3. Os postulados da legalidade, do devido processo legal, da ampla defesa, da motivação dos atos decisórios, do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, se violados, in casu, a ofensa seria indireta ou reflexa, o que também inviabiliza o recurso extraordinário. Precedentes: AI n. 803.857-AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma, DJ 17.03.11; AI n. 812.678-AgR, Rel. Min. ELLEN GRACIE, 2ª Turma, DJ 08.02.11; AI n. 513.804-AgR, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, 1ª Turma, DJ 01.02.11 . 4. O reexame dos fatos e provas que fundamentaram a decisão recorrida também inviabiliza o processamento do recurso extraordinário, ante a vedação contida no enunciado da Súmula n. 279 desta Corte, verbis: para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário. 5 . Agravo regimental não provido”. (STF, Primeira Turma, AI 799787 AgR/RJ, Relator Ministro Luiz Fux, ac. 31/05/2011, DJ 17/06/2011)

Desta feita, mais uma vez se deparam as partes com a negativa do Superior Tribunal de Justiça em analisar violações a dispositivos de lei federal que possuem sede constitucional e, por outro lado, com a resistência do Supremo Tribunal Federal em examinar alegações de ofensa a normas constitucionais sob a alegação de que se trata de ofensa meramente indireta ou reflexa; situação inadmissível, mas que, infelizmente, tem se tornado cada vez mais comum. Vejamos que solução, se é que haverá alguma, será encontrada pelos tribunais envolvidos para extirpar de vez essa contradição que tanto prejudica a eficiência do sistema recursal.

Fonte: HTJ advogados

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