Dra. Livia Piana comenta sobre a substituição da penhora em dinheiro por carta de fiança

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Breves Comentários sobre a substituição da penhora em dinheiro por carta de fiança. Recente precedente do STJ.

Lívia Gonçalves Pinho Piana de Faria

Com o advento da Lei n.º 11.232/2005, que alterou o Código de Processo Civil visando propiciar maior celeridade e eficiência ao processo de execução, surgiram inúmeras discussões em torno da interpretação do art. 620 do CPC, mormente em face da nova redação imprimida ao §6º do art. 656 do CPC, que possibilitou a substituição da penhora por fiança bancária ou seguro garantia, em valor não inferior ao débito, acrescido de 30%.

A grande novidade do novo sistema de substituição de penhora pelo executado é a relativa à fiança bancária ou seguro garantia judicial, visto que passou a ser uma modalidade de garantia muito utilizada em sede judicial, devido à fácil operacionalização, pois não cumprida a obrigação pelo devedor, a instituição financeira honra o compromisso por ele assumido. Tal novidade do Código de Processo Civil reformado, que acompanhou a previsão já instituída na lei de execuções fiscais, pode ser vista como um equilíbrio entre a necessidade da efetividade da execução e a menor onerosidade para o executado (art. 620 do CPC).

Interpretando os referido dispositivos sob a égide da reforma processual, a Min. Nancy Andrighi, em recente precedente da 3ª Turma do STJ envolvendo o cumprimento de sentença movido contra empresa de renome nacional, não só aceitou como garantia a carta de fiança bancária ofertada antes da penhora em dinheiro, como consignou a possibilidade de o magistrado deferir essa substituição, caso entenda que a execução poderá tramitar sob o modo menos gravoso para o devedor e sem prejuízos para a solvibilidade do débito. Eis os principais argumentos invocados pela Ministra: “conquanto o regime das Leis 11.232/2005, 11.280/2006 e 11.386/2006 tenha atribuído mais força ao Estado em sua intervenção sobre o patrimônio do devedor, não resta revogado o princípio da menor onerosidade disciplinado no art. 620 do CPC. Não é possível rejeitar o oferecimento de fiança bancária para garantia de execução meramente com fundamento em que há numerário disponível em conta corrente para penhora. A Lei Civil atribui, ao devedor, a possibilidade de substituição da penhora por “fiança bancária ou seguro garantia judicial, em valor não inferior ao débito, mais 30% (trinta por cento)” (art, 656, §2º, do CPC). A restrição de aceitação de fiança bancária como garantia apenas ao processo de execução fiscal sempre se fundamentou no fato de que tal garantia era específica daquela modalidade de processo. Hoje, contudo, a fiança bancária, bem como o seguro bancário, encontram também previsão no Código de Processo Civil. A paralisação de recursos, em conta corrente, superiores a R$ 1.000.000,00 gera severos prejuízos a qualquer empresa que atue em ambiente competitivo.” (REsp 1116647/ES, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/03/2011, DJe 25/03/2011)

Nada mais razoável e prudente o entendimento esposado no julgado supra, pois ao cotejar os arts. 620, 655, 656, §2º e 668 do CPC, em vista das particularidades do caso, o STJ permitiu a alteração da ordem de gradação dos bens penhoráveis visando minimizar os danos ao exercício da atividade da empresa executada e, ao mesmo tempo, garantir o cumprimento do crédito.

Inegavelmente, a penhora on line tem caráter desburocratizador do processo executório, conferindo celeridade ao pagamento dos valores. No entanto, esse procedimento deve ser utilizado com grande parcimônia e prudência pelos magistrados, sob pena de efetivo comprometimento da atividade empresarial das empresas envolvidas, bloqueando valores já direcionados para o cumprimento de outras obrigações, sejam ela trabalhistas, fiscais e com terceiros.

Vale dizer: a aceitação da carta de fiança como garantia propicia o trâmite da execução pelo modo menos oneroso para a parte devedora (art. 620 do CPC). Ao mesmo tempo que se garante a execução de forma idônea e segura, a parte executada não sofre prejuízos com a privação do seu capital de giro.

A doutrina processual já se manifestou favoravelmente à substituição da penhora em dinheiro por fiança bancária, por ser a mesma tão segura quanto o dinheiro e possuir a vantagem de não descapitalizar a empresa:

“A fiança bancária – e por extensão também o seguro garantia judicial – são formas de garantia do juízo que beneficiam todos os envolvidos no processo executivo. Para o executado a substituição será extremamente proveitosa, liberado o bem que havia sido penhorado, o patrimônio do executado continuará livre para que continue a lucrar com ele, o que certamente lhe gerará dividendos, inclusive aumentando sua capacidade de fazer frente à cobrança enfrentada na execução. Essa circunstância verifica-se inclusive nos casos em que a penhora tem como objeto dinheiro, porque todos sabem que qualquer investimento é mais rentável que aquele dado pela correção dos depósitos em juízo. Por outro lado, o exeqüente não terá qualquer prejuízo, porque o grande atrativo da penhora de dinheiro – sua liquidez imediata – será plenamente mantido com as duas espécies de garantia previstas pelo art. 656, §2º, do CPC.” (NEVES. Daniel Amorim Assumpção. Reformas do CPC 2: nova sistemática processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 310-311).

Como visto, a jurisprudência possibilita a substituição da penhora inicial sobre o dinheiro pela constrição sobre a fiança bancária. Tanto o dinheiro em espécie quanto a carta de fiança bancária foram colocados em pé de igualdade pelo legislador. Sob este aspecto, a aceitação da fiança bancária oferecida e a liberação do dinheiro constrito se apresentam como a melhor maneira de coadunar os artigos 612 e 620 do CPC.

Ademais, a ordem de gradação da penhora prevista no art. 655 do CPC está longe de ser absoluta e inflexível. Diante do caso concreto, deve-se sopesar o objetivo de satisfação do crédito (alcançado por meio da carta de fiança bancária no valor executado) e, por outro lado, a forma menos onerosa para o executado (a fiança impede a privação do capital de giro ocasionado pela penhora on line). Outro não é o entendimento majoritário da jurisprudência do Eg. STJ, nos termos do voto da Min. Nancy Andrighi no precedente ora explorado:

“(…) não se pode aplicar, de maneira direta, o entendimento de que a penhora de dinheiro, mediante bloqueio de valores em conta-corrente, tem prioridade absoluta sobre o oferecimento de qualquer outro bem. Trata-se de uma hipótese em que é necessário que o juízo, ponderando os elementos da causa, aprecie o bem oferecido pelo devedor e cheque a conveniência de acolher ou rejeitá-lo, expondo as razões que o conduziriam a uma ou outra decisão. Como sempre tenho sustentado, o processo civil deve ser campo de equilíbrio, não de posições extremadas. A penhora de dinheiro ou de numerário em conta-corrente tem, é fato, prioridade em relação a qualquer outro bem que possa vir a garantir a execução. Não há dúvidas disso. Mas não podemos engessar a interpretação do CPC de modo a não permitir que, mesmo em hipóteses excepcionais, seja possível ao devedor evitar a imobilização de vultoso capital em espécie.”

Em suma: a penhora de carta de fiança, além de possuir a mesma liquidez do dinheiro, não implica prejuízos para a parte credora. Por outro lado, a penhora realizada sobre vultoso numerário existente em contas bancárias do devedor, quando a empresa está em plena atividade, pode causar-lhe graves e desnecessários danos. A carta de fiança bancária atende claramente a exigência da liquidez e eficácia para satisfação do crédito excutido. A um só tempo a carta de fiança bancária é capaz de garantir a eficiência da execução e seu desenvolvimento de maneira menos gravosa ao executado.

Fonte: HTJ advogados

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