Dra. Ester Norato comenta sobre tutela antecipada e medida cautelar no projeto do novo CPC
Tutela antecipada e medida cautelar no projeto do novo CPC
Ester Camila Gomes Norato Rezende
Seguindo a linha da doutrina majoritária que se refere às medidas cautelares e à tutela antecipada como espécies do gênero medidas de urgência, o projeto do novo Código de Processo Civil brasileiro (Projeto de Lei do Senado nº 166/2010) corrobora este entendimento ao dispor sobre as medidas emergenciais cautelares e satisfativas sob a batuta de um mesmo título, sito na Parte Geral do novel digesto ainda em tramitação legislativa, qual seja, o titulo IX, concernente à tutela de urgência e tutela de evidência, com destaque, neste mister, ao capítulo I afeto às disposições gerais, nas quais se consignam previsões comuns às medidas de urgência, bem como à seção II, denominada da tutela de urgência cautelar e satisfativa.
Nesse direcionamento, o projeto do novo Código de Processo Civil brasileiro registra em seu art. 278 o que se pode denominar de poder geral de urgência conferido aos magistrados, permitindo-lhes o deferimento de medidas emergenciais conservativas ou satisfativas, segundo se conclui da inserção topográfica do dispositivo em referência no capítulo afeto às disposições gerais do que denomina tutela de urgência. Preconiza o mencionado dispositivo: Art. 278. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ou direito da outra lesão grave e de difícil reparação. Parágrafo único. A medida de urgência poderá ser substituída, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, pela prestação de caução ou outra garantia menos gravosa para o requerido, sempre que adequada e suficiente para evitar a lesão ou repará-la integralmente.
A despeito da acertada amplitude que o art. 278 do projeto do novo Código de Processo Civil induvidosamente confere ao poder conferido aos magistrados, permitindo-se aludir a poder geral de urgência, acredita-se que alguns reparos são devidos na redação do dispositivo. No período quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause (…) sugere-se a supressão da referência a uma parte, haja vista que o perigo de dano, é dizer, o risco não decorre tão somente de ato da parte contrária, mas também, e notadamente para o que toca às medidas de urgência, do transcurso do tempo como fator corrosivo de direitos e como importante variável no contexto da efetividade da prestação jurisdicional. Ainda, importa registrar que o fundado receio de dano, ou seja, o risco não incide diretamente apenas sobre o direito material vindicado em juízo, mas também sobre o próprio processo como instrumento para sua realização, hipótese em que são devidas medidas conservativas destinadas a assegurar a resposta jurisdicional efetiva.
Quanto aos requisitos para concessão de medidas de urgência, o art. 283 do projeto de novo Código de Processo Civil assinala que para concessão de tutela de urgência, serão exigidos elementos que evidenciem a plausibilidade do direito, bem como a demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação.
No entanto, cumpre reconhecer que o juízo de probabilidade e o risco são elementos identificadores do gênero medidas de urgência e que tais elementos comportam variações, que nos revelarão as espécies distintas de medidas urgentes, quais sejam, conservativas e satisfativas.
Assim, entende-se equivocada a compreensão de que existiria completa identidade entre tutela antecipada e tutela cautelar, confundindo-as em uma única espécie de prestação jurisdicional, como pode aparentar uma leitura descontextualizada do art. 283 do projeto do novo CPC. As diferenças desses dois provimentos foram objeto de salutar estudo por parte dos processualistas nacionais, não podendo ser categoricamente desconsideradas eis que, verdadeiramente, o discernimento é necessário para a consecução da tutela jurisdicional diferenciada.
Logo, não se pode perder de vista que as medidas conservativas voltam-se ao combate ao risco que diretamente incide sobre o processo como método para prestação jurisdicional e as medidas satisfativas, ao seu turno, destinam-se ao combate ao risco que imediatamente recai sobre o direito material. A diversidade do risco para cujo combate se destina cada medida de urgência irá determinar também os demais caracteres da espécie de provimento emergencial em voga.
Dessa feita, não se pode aquiescer com o deferimento de tutela antecipada com amparo tão somente nos requisitos necessários para concessão de medida cautelar, eis que, neste caso, a intensidade do risco de dano e também do juízo de probabilidade é distinta (precisamente inferior) à exigida para o deferimento de medida satisfativa.
O projeto do novo Código de Processo Civil brasileiro, seguindo a linha de disciplinar disposições gerais aplicáveis ao gênero medidas de urgência, também preconiza, no parágrafo único do art. 283, a possibilidade de contracautela nos seguintes termos: Na concessão liminar da tutela de urgência, o juiz poderá exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que o requerido possa vir a sofrer, ressalvada a possibilidade da parte economicamente hipossuficiente .
Todavia, acredita-se que a redação sugerida no projeto merece reparos ao denotar que o expediente da caução não se subsumiria a nenhum condicionante, sendo afastado apenas na hipótese de parte economicamente hipossuficiente.
Ao contrário, a medida de contracautela se submete a parâmetros para sua determinação, cuja inobservância a impede, sob pena de até inviabilizar o direito fundamental à prestação jurisdicional de urgência.
Assim, a despeito de a determinação de contracautela poder ser estendida ao gênero das medidas de urgência, imperativo reconhecer que a exigência da caução não é incondicionada, ao revés, sujeita-se a requisitos objetivos para aferir sua necessidade no caso concreto, quais sejam: a probabilidade da tutela ressarcitória (que é inversamente proporcional ao juízo de probabilidade que ampara a medida de urgência concedida), bem como o perigo à efetividade do futuro provimento condenatório por perdas e danos.
Ademais, constatados os requisitos para exigência de caução, a exceção prevista em caso de hipossuficiência econômica da parte deve ser encarada com a devida ponderação no caso concreto entre o direito do requerente à medida de urgência e o direito do requerido à eliminação do risco à efetividade da eventual tutela ressarcitória.
Em vista do brevemente exposto, conclui-se que, apesar do salutar reconhecimento das medidas de urgência como gênero, com disposições gerais aplicáveis a todas as suas espécies, sua adequada compreensão no projeto do novo Código de Processo Civil não pode perder de vista as especificidades que individualizam as medidas emergenciais conservativas e as satisfativas.
Fonte: HTJ advogados