Dr. João Gabriel Nunes comenta sobre piso legal da empresa individual de responsabilidade limitada

COMPARTILHE

A empresa individual de responsabilidade limitada criada pela Lei 12.441/11: o piso legal estabelecido para a constituição da EIRELI

João Gabriel Duarte Nunes da Silva

A recém publicada Lei n.º 12.441, inseriu no rol taxativo das pessoas jurídicas de direito privado (art. 44 do Código Civil) a empresa individual de responsabilidade limitada, a qual denominou EIRELI, no afã de preencher antiga lacuna do direito brasileiro quanto à inexistência de um mecanismo de limitação da responsabilidade do empresário individual. No entanto, a rápida análise de seus curtos dispositivos já deixa bem clara a costumeira falta de precisão técnica do legislador, o que certamente gerará sérias discussões sobre seus termos e dificuldade de aplicação de seu regime na vida prática, especialmente no que tange ao capital mínimo exigido para a constituição da EIRELI.

Nos termos da redação dada pela lei ao art. 980-A do CC/02, a empresa individual de responsabilidade limitada não se trata propriamente de uma sociedade empresária, mas de uma pessoa jurídica atípica pertencente ao único titular da totalidade do capital social, este constituído de parcela de seu patrimônio pessoal afeto ao exercício da atividade, que pode ser empresarial ou não, conforme ressalva expressa trazida pela própria lei.

Inicialmente, exige a lei que para a constituição de uma EIRELI deverá o capital social possuir um piso mínimo, não inferior ao valor de 100 vezes o maior salário-mínimo vigente no país, que corresponderá ao valor máximo da responsabilidade do empresário perante os credores relacionados à atividade que exerça. Logo de início depara-se o intérprete com a seguinte questão: o piso legal estabelecido para a constituição de uma EIRELI trata-se verdadeiramente de capital social?

Como é sabido, o capital social, enquanto requisito inafastável da própria configuração da pessoa jurídica, para além de representar o conjunto de recursos próprios com que conta a sociedade para o desenvolvimento de suas atividades, constitui a versão patrimonial dos sócios, refletindo as múltiplas relações decorrentes de sua distribuição societária. A par desse conceito, observa-se que o piso legal para a constituição de uma empresa individual de responsabilidade limitada não constitui propriamente capital social, mas uma fração do patrimônio da pessoa natural que é destacado para a consecução de uma determinada atividade. Assemelha-se, assim, ao patrimônio de afetação existente nas incorporações imobiliárias, onde é possível a segregação de parcela patrimonial do empresário incorporador que fica sujeita à execução por credores diretamente relacionados ao empreendimento imobiliário.

Além da má utilização da expressão, vê-se que o legislador, ao prever um piso legal, estabeleceu restrição injustificável, porquanto inexiste no direito brasileiro a exigência de capital mínimo para a realização de qualquer atividade, deixando à margem de sua incidência uma parcela substancial dos microempresários pátrios, os quais continuarão dentro do regime geral de responsabilidade patrimonial pessoal e do risco correspondente. Este importante aspecto, aliás, já é objeto da ADIn n.º 4637/STF, que discute a ilegalidade quanto à utilização do salário mínimo como critério de indexação do capital mínimo, além do fato de que a imposição legal impedirá a eventual constituição de pessoas jurídicas individuais de responsabilidade limitada por pequenos empreendedores, causando desnecessário embaraço a uma efetiva oportunidade de desenvolvimento econômico do país.

Inspirou-se o legislador brasileiro no modelo português do estabelecimento mercantil individual de responsabilidade limitada, que, à semelhança do que se dará aqui, permite ao comerciante em nome individual destacar do seu patrimônio geral uma parte dos seus bens para destiná-la à atividade mercantil, sendo lá fixado o capital mínimo em 5.000 (cinco) euros, algo em torno de R$12.000,00 (doze mil reais).

A despeito de acreditarmos que a exigência em questão representa um claro cerceamento à possibilidade de abertura de empresas individuais de responsabilidade limitada por pequenos empreendedores, observa-se que o capital mínimo exigido pelo modelo europeu revela-se bem mais razoável se comparado ao piso brasileiro de R$54.000,00 (cinqüenta e quatro mil reais), sujeito, ainda, à constantes majorações, porquanto atrelado ao salário-mínimo vigente no país. A exigência, de certo, constituirá sério óbice à constituição de uma EIRELI pelo pequeno empresário, que continuará exercendo sua atividade senão às margens de qualquer regime legal, com a constituição de uma sociedade limitada com outro sócio detentor de mínima expressão do capital social.

Fonte: HTJ advogados

ÚLTIMAS PUBLICAÇÕES